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Lincoln in the Bardo


15 de outubro, 2018

O título é estranho e merece comentário. “Bardo” vem do tibetano, mais especificamente do budismo tibetano: é um estado intermediário, entre a vida e a morte; ou entre a morte e o renascimento, para aqueles que não se libertam de vez do ciclo da existência. (A edição portuguesa preservou este “Bardo”; a brasileira, de Jorio Dauster, preferiu a aliteração de “Lincoln no Limbo”.)

Já o Lincoln do título é o filho de 11 anos do Presidente, que morre de febre tifoide, numa noite de fevereiro de 1862. Lincoln, o pai, visita a tumba do filho, para abraçá-lo, mais de uma vez, na noite depois do enterro.

Com base nessa referência histórica, e misturando dezenas de citações reais com centenas de vozes imaginárias, George Saunders compõe um inusitado romance dramático – nem peça de teatro, nem prosa de ficção, mas um delirante coro de espíritos que observam e comentam o sofrimento do menino e do Presidente, e relatam suas próprias e outras tantas histórias de vida e de morte, naquele passado escravagista, em plena Guerra Civil.

Do ponto de vista das imagens, o ambiente é gótico. A linguagem combina ecos de Edgard Lee Masters, Sherwood Anderson e outros modernistas “folk” norte-americanos com as distopias de contemporâneos como Thomas Pynchon e Don DeLillo, e ainda com o capítulo teatral do Ulysses de Joyce (inspirado, por sua vez, na cena da taverna do Fausto de Goethe).

Saunders é o consagrado contista de Civil War Land in Bad Decline (1996), Tenth of December (2013) e outros livros. Este seu primeiro, longo, estranho e morbidamente exuberante romance há de soar estranho, mórbido e longo para muita gente. Também é inesquecível. No centro de tudo, está o coração do Presidente, transfigurado pela perda do menino. O que fica, no fim, é a compaixão de Lincoln, uma nova e universal empatia, que o guiará nos esforços pelo fim da Guerra Civil. O que fica é a força moral e política de um verdadeiro Presidente, em tempos de terror.

Facebook, 15/10/2018