“Corajoso” tem sido o adjetivo mais comum no que já saiu sobre o livro.* Que é corajoso mesmo, em muitos sentidos. Acima de tudo, no que revela da própria história pessoal de Luiz Schwarcz, ao longo de “uma curta infância e de uma longa depressão”, como diz o subtítulo. Inesperados, surpreendentes, até chocantes relatos de um homem bipolar, em luta contra demônios íntimos que ninguém adivinharia, por trás da imagem do bem-sucedido editor, figura pública renomada e respeitada. Mas o livro é corajoso, também, ao se torcer sobre si mesmo e narrar uma história dupla: a de seus pais e avós, com trágicos incidentes durante o nazismo, fugindo da Hungria e da Croácia; e a dele mesmo, Luiz, tendo de arcar com as consequências, para sempre, na teia familiar.
Para além disso, há ainda um terceiro estrato, na gradual acumulação de resumos de alguns contos publicados há anos (em Discurso sobre o Capim e Linguagem de Sinais), e outros livros — romances — abandonados pelo autor. Um tanto ao estilo de Jorge Luis Borges, então, mas com acento muito diverso, essa parcial autobiografia é também uma espécie de “obras completas”, em boa parte, afinal, só imaginadas, de um autor que termina o livro dando por encerrada sua carreira de escritor, “para que eu possa voltar a ler”. Que ele vive melhor hoje, numa rotina de reclusão amorosa familiar e cada vez maior silêncio (preenchido pela música), parece claro, a julgar não apenas pelos inúmeros sábios comentários sobre a experiência de vida, mas pela própria disposição de redigir e publicar o livro. Nem ele pode saber se o escritor seguirá seu conselho. Por ora, deixa este livro, inesquecível na tentativa de lidar com sua carga de doença e de passado.
Instagram, 01/03/2021